terça-feira, 25 de novembro de 2014

Viagem no tempo: "Pois de amor...

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..andamos todos precisados! Em dose tal que nos alegre, nos reumanize, nos corrija, nos dê paciência e esperança, força, capacidade de entender, perdoar, ir para a frente! Amor que seja navio, casa, coisa cintilante, que nos vacine contra o feio, o errado, o triste, o mau, o absurdo e o mais que estamos vivendo ou presenciando.”
(Carlos Drummond de Andrade)
























 




 



 






Por Aline Andra




sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Se tudo der errado leia Clarice - José Eduardo Agualusa







Tenho medo de ligar a televisão, como quem entra no metrô à hora de ponta, e de que por descuido ou por maldade alguém me pise a inteligência: “desculpe, sim?!, foi sem querer”. Ligo o aparelho, encolhido no meu canto, fingindo que nem estou ali, mas se por acaso os meus olhos tropeçam nalgum sujeito com aspecto de bárbaro, saio logo.
A seguir fecho os olhos e sonho um peixe. Foi um velho pescador pernambucano quem me ensinou isto. Eu estava sentado nas areias de Itamaracá, com um bloco de papel nos joelhos, concluindo uma aquarela. Ele veio por trás e ficou um momento observando:
_ Por que faz isso? – perguntou. _O mar não cabe aí!
Sentou-se ao meu lado. Disse-me que às vezes, ao acordar, lhe doía, do lado esquerdo do peito, a humanidade. Caminhava então até à praia, estendia-se de costas na areia, e sonhava um peixe.
_ Foi Clarice, sabe? Ela me iniciou.
Na altura não compreendi a quem o velho se referia. Começou por sonhar peixes pequenos, muito rudimentares, só um veloz traço de prata, só uma ligeira vírgula refulgindo no ar, mas com o tempo, à medida que desenvolvia a técnica, passou a sonhar garoupas, meros, inclusive espadartes. A ambição dele era sonhar uma baleia.
Uma baleia azul.
_Esteja atento à cor das águas – preveniu-me. _Por exemplo, de manhã, bemcedinho, se o mar estiver liso e prateado, é bom para sonhar savelhas. O camarupim, que é um peixe nosso, grande, se sonha muito bem depois que chove, e os rios anoitecem o mar. Já os xaréus são melhor sonhados quando o mar azula.
E as sereias? Ele olhou-me atônito:
 _Sereias?! Servem para quê, as sereias? Sereias são bichos mal sonhados, como os ornitorrincos ou os generais. Você há de conseguir fazer melhor.
Venho tentando. Nunca soube o nome do pescador. Era um sujeito alto, aprumado como um poste, de olhos acesos e uma pele sadia, bem esticada sobre os ossos. Tinha uma voz tão clara e calorosa que, à noite, enquanto falava, era como se cuspisse pirilampos. Uma voz daquelas devia poder transmitir-se em testamento. A mim fazia-me lembrar a do Fernando Alves. Contava-se na ilha que o velho estivera três semanas perdido no mar. Salvara-se por milagre, porque ao décimo terceiro dia Nossa Senhora Aparecida lhe apareceu no saveiro, trazendo nas mãos um pernil de porco e uma garrafa de litro de Coca-Cola. Ele próprio me desmentiu o milagre, até um pouco irritado:
_Nossa Senhora Aparecida?! Qual Nossa Senhora, rapaz?! Quem me apareceu foi Clarice Lispector.
Em todas as estórias de pescadores há sempre exageros, por vezes até mentiras descaradas, ou não seriam estórias de pescadores. Neste ponto, porém, sou peremptório – uso esta palavra pela primeira vez na vida; não veem que reluz? – ele lia! Era um grande devoto de Clarice Lispector e Alberto Caeiro. Contou-me que Clarice apareceu-lhe de madrugada, trazendo nas mãos Uma Maçã no Escuro, e lhe leu o romance inteiro.
A seguir, depois que o achou mais recomposto, ensinou-o a sonhar peixes.
_Sonhar peixes faz bem à alma. Lembre-se que por cada homem mau no mundo há no mar mil peixes bons.
O meu pescador não tinha televisão. Às vezes acontecia demorar-se num bar, ou na praça (havia uma televisão na praça), e o fragor das guerras alheias roubava-lhe o sono. Ele sofria com os erros dos outros. Andava pela ilha com A Hora da Estrela debaixo do braço, tentando, sem sucesso, converter os demais. Só eu lhe dava atenção:
_Se nada mais der certo leia Clarice.
Uma tarde vi-o sonhar um golfinho.
_Foi o meu primeiro mamífero – disse-me depois, exausto pelo esforço –, para a semana vou tentar uma orca.
Nunca mais voltei a Itamaracá, nunca mais o vi, mas calculo que por esta altura ele já tenha conseguido sonhar a sua baleia azul. Já a deve ter lançado ao mar, cento e trinta toneladas de puro sonho, e o canto dela há de estar ressoando nas águas. Um dia as baleias virão para salvar os homens.


Extraído de Manual Prático de Levitação, Rio de Janeiro: Gryphus, 2005, p. 63-67.






SOBRE O AUTOR:

 
José Eduardo Agualusa é capaz de atingir profundezas da alma, não só com seu olhar perscrutador, mas com sua prosa plena de humor, imaginação e quase delicadeza – mesmo tratando de questões difíceis de abordar – de suas temáticas.
Escritor de raízes angolana, brasileira e portuguesa, nasceu em 1960, na cidade de Huambo, Angola. Estudou Agronomia e Silvicultura em Lisboa, mas envolveu-se com o jornalismo e, na década de 90, com a ficção.
É considerado um dos autores mais importantes da nova literatura africana, tanto no romance, como no conto e poesia. O que se pontua em sua obra, percebe-se logo, é a integração natural entre os países de língua portuguesa, através de uma postura de quem passeia confortavelmente pelas influências culturais de cada um deles.
  






Por Aline Andra




quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Emmanuel - Chris Botti e Lucia Micarelli





Linda, linda apresentação de Emmanuel – uma composição de Michel Colombier – em um momento de total compatibilidade criativa entre dois excelentes musicistas.
O trompetista Chris Botti, nascido em Oregon (EUA), mas de descendência inglesa e italiana, já é um nome marcante da música contemporânea e sua expressão musical começa no jazz e se expande para além dos limites de qualquer gênero único.
Lucia Micarelli, violinista e atriz americana, tornou-se bastante conhecida por suas colaborações nas gravações de Josh Groban e da banda de rock Jethro Tull.









Por Aline Andra


terça-feira, 11 de novembro de 2014

A arte no corpo



New York City Subways


Trina Merry é uma artista americana que se dedicou a desenvolver obras de arte dinâmicas usando corpos humanos como telas ou peças de esculturas. Utilizando muitas vezes mais de dezessete modelos que são pintados e camuflados em cenários ou posições, ela diz ter preferência por criar automóveis e motocicletas, mas também trabalha com motivos abstratos. A imagem resultante fotografada sob certos ângulos e com a iluminação certa é surpreendente. 



moto-corpo-pintura-art-trina-merry-1


Weeping Willow Body painting


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moto-corpo-pintura-art-trina-alegre-11


guernica Body painting Trina Merry


Blue Willow Body painting


Splatter Body Art Trina Merry


Irises Bodypainting Trina Merry


Camouflage bodypaint


moto-corpo-pintura-art-trina-merry-3


Winter Birch Forest


New York City Subway Bodypaint


Magnolias Fine Art Body Painting Trina Merry


Flores Body painting -Trina Merry


Trina Merry Living Body Art


Lotus Bodypainting Trina Merry


Birds of Paradise Body painting








Fonte das imagens: www.trinamerryartist.com






Por Aline Andra



sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Preparativos de viagem







Ao fazer a mala, tenho de pensar em tudo o que lá
vou meter para não me esquecer de nada. Vou ao
dicionário e tiro as palavras que me servirão
de passaporte: o equador, uma linha
de horizonte, a altitude e a latitude,
um lugar de passageiro insistente. Dizem-me
que não preciso de mais nada; mas continuo
a encher a mala. Um pôr-do-sol para que
a noite não caia tão depressa, o toque dos teus
cabelos para que a minha mão os não esqueça,
e aquele pássaro num jardim que nasceu
nas traseiras da casa, e canta sem saber
porquê. E outras coisas que poderiam
parecer inúteis, mas de que vou precisar: uma frase
indecisa a meio da noite, a constelação
dos teus olhos quando os abres, e algumas
folhas de papel onde irei escrever o que a tua ausência
me vem ditar. E se me disserem que tenho
excesso de peso, deixarei tudo isto em terra,
e ficarei só com a tua imagem, a estrela
de um sorriso triste, e o eco melancólico
de um adeus.


 
Nuno Júdice








Por Aline Andra