sábado, 30 de março de 2013

A terceira margem do rio - Guimarães Rosa



"Canoa pelo rio" de Oriana Lima
 

"Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sido assim desde mocinho e menino, pelo que testemunharam as diversas sensatas pessoas, quando indaguei a informação. Do que eu mesmo me alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. Só quieto. Nossa mãe era quem regia, e que ralhava no diário com a gente — minha irmã, meu irmão e eu. Mas se deu que, certo dia, nosso pai mandou fazer para si uma canoa.
 Era a sério. Encomendou a canoa especial, de pau de vinhático, pequena, mal com a tabuinha da popa, como para caber justo o remador. Mas teve de ser toda fabricada, escolhida forte e arqueada em rijo, própria para dever durar na água por uns vinte ou trinta anos. Nossa mãe jurou muito contra a ideia. Seria que, ele, que nessas artes não vadiava, se ia propor agora para pescarias e caçadas? Nosso pai nada não dizia. Nossa casa, no tempo, ainda era mais próxima do rio, obra de nem quarto de légua: o rio por aí se estendendo grande, fundo, calado que sempre. Largo, de não se poder ver a forma da outra beira. E esquecer não posso, do dia em que a canoa ficou pronta.
 Sem alegria nem cuidado, nosso pai encalcou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. Nem falou outras palavras, não pegou matula e trouxa, não fez a alguma recomendação. Nossa mãe, a gente achou que ela ia esbravejar, mas persistiu somente alva de pálida, mascou o beiço e bramou: — "Cê vai, ocê fique, você nunca volte!" Nosso pai suspendeu a resposta. Espiou manso para mim, me acenando de vir também, por uns passos. Temi a ira de nossa mãe, mas obedeci, de vez de jeito. O rumo daquilo me animava, chega que um propósito perguntei: — "Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa?" Ele só retornou o olhar em mim, e me botou a benção, com gesto me mandando para trás. Fiz que vim, mas ainda virei, na grota do mato, para saber. Nosso pai entrou na canoa e desamarrou, pelo remar. E a canoa saiu se indo — a sombra dela por igual, feito um jacaré, comprida longa.
 Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais. A estranheza dessa verdade deu para estarrecer de todo a gente. Aquilo que não havia, acontecia. Os parentes, vizinhos e conhecidos nossos, se reuniram, tomaram juntamente conselho.
 Nossa mãe, vergonhosa, se portou com muita cordura; por isso, todos pensaram de nosso pai a razão em que não queriam falar: doideira. Só uns achavam o entanto de poder também ser pagamento de promessa; ou que, nosso pai, quem sabe, por escrúpulo de estar com alguma feia doença, que seja, a lepra, se desertava para outra sina de existir, perto e longe de sua família dele. As vozes das notícias se dando pelas certas pessoas — passadores, moradores das beiras, até do afastado da outra banda — descrevendo que nosso pai nunca se surgia a tomar terra, em ponto nem canto, de dia nem de noite, da forma como cursava no rio, solto solitariamente. Então, pois, nossa mãe e os aparentados nossos, assentaram: que o mantimento que tivesse, ocultado na canoa, se gastava; e, ele, ou desembarcava e viajava s'embora, para jamais, o que ao menos se condizia mais correto, ou se arrependia, por uma vez, para casa.
 No que num engano. Eu mesmo cumpria de trazer para ele, cada dia, um tanto de comida furtada: a ideia que senti, logo na primeira noite, quando o pessoal nosso experimentou de acender fogueiras em beirada do rio, enquanto que, no alumiado delas, se rezava e se chamava. Depois, no seguinte, apareci, com rapadura, broa de pão, cacho de bananas. Enxerguei nosso pai, no enfim de uma hora, tão custosa para sobrevir: só assim, ele no ao-longe, sentado no fundo da canoa, suspendida no liso do rio. Me viu, não remou para cá, não fez sinal. Mostrei o de comer, depositei num oco de pedra do barranco, a salvo de bicho mexer e a seco de chuva e orvalho. Isso, que fiz, e refiz, sempre, tempos a fora. Surpresa que mais tarde tive: que nossa mãe sabia desse meu encargo, só se encobrindo de não saber; ela mesma deixava, facilitado, sobra de coisas, para o meu conseguir. Nossa mãe muito não se demonstrava.
 Mandou vir o tio nosso, irmão dela, para auxiliar na fazenda e nos negócios. Mandou vir o mestre, para nós, os meninos. Incumbiu ao padre que um dia se revestisse, em praia de margem, para esconjurar e clamar a nosso pai o dever de desistir da tristonha teima. De outra, por arranjo dela, para medo, vieram os dois soldados. Tudo o que não valeu de nada. Nosso pai passava ao largo, avistado ou diluso, cruzando na canoa, sem deixar ninguém se chegar à pega ou à fala. Mesmo quando foi, não faz muito, dos homens do jornal, que trouxeram a lancha e tencionavam tirar retrato dele, não venceram: nosso pai se desaparecia para a outra banda, aproava a canoa no brejão, de léguas, que há, por entre juncos e mato, e só ele conhecesse, a palmos, a escuridão, daquele.
 A gente teve de se acostumar com aquilo. Às penas, que, com aquilo, a gente mesmo nunca se acostumou, em si, na verdade. Tiro por mim, que, no que queria, e no que não queria, só com nosso pai me achava: assunto que jogava para trás meus pensamentos. O severo que era, de não se entender, de maneira nenhuma, como ele aguentava. De dia e de noite, com sol ou aguaceiros, calor, sereno, e nas friagens terríveis de meio-do-ano, sem arrumo, só com o chapéu velho na cabeça, por todas as semanas, e meses, e os anos — sem fazer conta do se-ir do viver. Não pojava em nenhuma das duas beiras, nem nas ilhas e croas do rio, não pisou mais em chão nem capim. Por certo, ao menos, que, para dormir seu tanto, ele fizesse amarração da canoa, em alguma ponta-de-ilha, no esconso. Mas não armava um foguinho em praia, nem dispunha de sua luz feita, nunca mais riscou um fósforo. O que consumia de comer, era só um quase; mesmo do que a gente depositava, no entre as raízes da gameleira, ou na lapinha de pedra do barranco, ele recolhia pouco, nem o bastável. Não adoecia? E a constante força dos braços, para ter tento na canoa, resistido, mesmo na demasia das enchentes, no subimento, aí quando no lanço da correnteza enorme do rio tudo rola o perigoso, aqueles corpos de bichos mortos e paus-de-árvore descendo — de espanto de esbarro. E nunca falou mais palavra, com pessoa alguma. Nós, também, não falávamos mais nele. Só se pensava. Não, de nosso pai não se podia ter esquecimento; e, se, por um pouco, a gente fazia que esquecia, era só para se despertar de novo, de repente, com a memória, no passo de outros sobressaltos.
 Minha irmã se casou; nossa mãe não quis festa. A gente imaginava nele, quando se comia uma comida mais gostosa; assim como, no gasalhado da noite, no desamparo dessas noites de muita chuva, fria, forte, nosso pai só com a mão e uma cabaça para ir esvaziando a canoa da água do temporal. Às vezes, algum conhecido nosso achava que eu ia ficando mais parecido com nosso pai. Mas eu sabia que ele agora virara cabeludo, barbudo, de unhas grandes, mal e magro, ficado preto de sol e dos pelos , com o aspecto de bicho, conforme quase nu, mesmo dispondo das peças de roupas que a gente de tempos em tempos fornecia.
 Nem queria saber de nós; não tinha afeto? Mas, por afeto mesmo, de respeito, sempre que às vezes me louvavam, por causa de algum meu bom procedimento, eu falava: — "Foi pai que um dia me ensinou a fazer assim..."; o que não era o certo, exato; mas, que era mentira por verdade. Sendo que, se ele não se lembrava mais, nem queria saber da gente, por que, então, não subia ou descia o rio, para outras paragens, longe, no não-encontrável? Só ele soubesse. Mas minha irmã teve menino, ela mesma entestou que queria mostrar para ele o neto. Viemos, todos, no barranco, foi num dia bonito, minha irmã de vestido branco, que tinha sido o do casamento, ela erguia nos braços a criancinha, o marido dela segurou, para defender os dois, o guarda-sol. A gente chamou, esperou. Nosso pai não apareceu. Minha irmã chorou, nós todos aí choramos, abraçados.
 Minha irmã se mudou, com o marido, para longe daqui. Meu irmão resolveu e se foi, para uma cidade. Os tempos mudavam, no devagar depressa dos tempos. Nossa mãe terminou indo também, de uma vez, residir com minha irmã, ela estava envelhecida. Eu fiquei aqui, de resto. Eu nunca podia querer me casar. Eu permaneci, com as bagagens da vida. Nosso pai carecia de mim, eu sei — na vagação, no rio no ermo — sem dar razão de seu feito. Seja que, quando eu quis mesmo saber, e firme indaguei, me diz-que-disseram: que constava que nosso pai, alguma vez, tivesse revelado a explicação, ao homem que para ele aprontara a canoa. Mas, agora, esse homem já tinha morrido, ninguém soubesse, fizesse recordação, de nada mais. Só as falsas conversas, sem senso, como por ocasião, no começo, na vinda das primeiras cheias do rio, com chuvas que não estiavam, todos temeram o fim-do-mundo, diziam: que nosso pai fosse o avisado que nem Noé, que, por tanto, a canoa ele tinha antecipado; pois agora me entrelembro. Meu pai, eu não podia malsinar. E apontavam já em mim uns primeiros cabelos brancos.
 Sou homem de tristes palavras. De que era que eu tinha tanta, tanta culpa? Se o meu pai, sempre fazendo ausência: e o rio-rio-rio, o rio — pondo perpétuo. Eu sofria já o começo de velhice — esta vida era só o demoramento. Eu mesmo tinha achaques, ânsias, cá de baixo, cansaços, perrenguice de reumatismo. E ele? Por quê? Devia de padecer demais. De tão idoso, não ia, mais dia menos dia, fraquejar do vigor, deixar que a canoa emborcasse, ou que bubuiasse sem pulso, na levada do rio, para se despenhar horas abaixo, em tororoma e no tombo da cachoeira, brava, com o fervimento e morte. Apertava o coração. Ele estava lá, sem a minha tranqüilidade. Sou o culpado do que nem sei, de dor em aberto, no meu foro. Soubesse — se as coisas fossem outras. E fui tomando ideia.
 Sem fazer véspera. Sou doido? Não. Na nossa casa, a palavra doido não se falava, nunca mais se falou, os anos todos, não se condenava ninguém de doido. Ninguém é doido. Ou, então, todos. Só fiz, que fui lá. Com um lenço, para o aceno ser mais. Eu estava muito no meu sentido. Esperei. Ao por fim, ele apareceu, aí e lá, o vulto. Estava ali, sentado à popa. Estava ali, de grito. Chamei, umas quantas vezes. E falei, o que me urgia, jurado e declarado, tive que reforçar a voz: — "Pai, o senhor está velho, já fez o seu tanto... Agora, o senhor vem, não carece mais... O senhor vem, e eu, agora mesmo, quando que seja, a ambas vontades, eu tomo o seu lugar, do senhor, na canoa!..." E, assim dizendo, meu coração bateu no compasso do mais certo.
 Ele me escutou. Ficou em pé. Manejou remo n'água, proava para cá, concordado. E eu tremi, profundo, de repente: porque, antes, ele tinha levantado o braço e feito um saudar de gesto — o primeiro, depois de tamanhos anos decorridos! E eu não podia... Por pavor, arrepiados os cabelos, corri, fugi, me tirei de lá, num procedimento desatinado. Porquanto que ele me pareceu vir: da parte de além. E estou pedindo, pedindo, pedindo um perdão.
 Sofri o grave frio dos medos, adoeci. Sei que ninguém soube mais dele. Sou homem, depois desse falimento? Sou o que não foi, o que vai ficar calado. Sei que agora é tarde, e temo abreviar com a vida, nos rasos do mundo. Mas, então, ao menos, que, no artigo da morte, peguem em mim, e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água que não para, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro — o rio."


Texto extraído do livro "Primeiras Estórias", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1988, pág. 32.





SOBRE O AUTOR:


Guimarães Rosa, o artesão apaixonado da palavra, reconhecido como o criador de uma das vertentes da moderna linha de ficção do regionalismo brasileiro, místico e supersticioso. Dizia que casas e pessoas possuem fluidos positivos e negativos que interferem nas emoções, nos sentimentos e na saúde de seres humanos e animais. Essas ideias pontuam toda a sua obra. O universo está no sertão e os homens são influenciados pelos astros.
João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo (Minas Gerais) em 27 de junho de 1908 e era o primeiro dos seis filhos de Francisca Guimarães Rosa e Florduardo Pinto Rosa, mais conhecido por “seu Fulô”, comerciante, juiz de paz, caçador de onças e contador de histórias.
Joãozito, com era chamado, com menos de sete anos começou a estudar francês. Ainda jovem já era um poliglota.
Em entrevista, disse: “Falo português, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto, um pouco de russo; Leio sueco, holandês, latim e grego (mas com o dicionário agarrado); entendo alguns dialetos alemães; estudei a gramática do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituânio, do polonês, do tupi, do hebraico, do japonês, do tcheco, do finlandês, do dinamarquês; bisbilhotei um pouco a respeito de outras. Mas tudo mal. E acho que estudar o espírito e o mecanismo de outras línguas ajuda muito a compreensão mais profunda do idioma nacional. Principalmente, porém, estudando-se por divertimento, gosto e distração”.
Esse conhecimento foi fundamental para a tradução de seus livros, já que ele se notabilizou pela invenção de vocábulos, além do registro da linguagem sertaneja brasileira, inacessível a tradutores estrangeiros.
Em 1925, matriculou-se na Faculdade de Medicina de Minas Gerais, com apenas 16 anos. Começou a escrever contos em 1929, ainda estudante. Teve quatro dos seus contos premiados e publicados no concurso da revista “O Cruzeiro”.
Clinicando em Itaguara, pequena cidade do município de Itaúna (Minas Gerais) e depois como Oficial Médico do 9º Batalhão de Infantaria, Guimarães Rosa descobriu seu interesse pela terra, costumes, pessoas e acontecimentos do cotidiano e inspirado por suas experiências, começou a colecionar terminologias, ditos e falas do povo, que distribuiu pelas histórias que escreveu.
Abandonou a Medicina e foi nomeado Consul Adjunto em Hamburgo em 1938. Durante a 2ª Guerra Mundial, ele e sua esposa protegeram e facilitaram a fuga de judeus perseguidos pelo nazismo. Em reconhecimento a essa atitude, foram homenageados em 1985, em Israel, com a mais alta distinção que os judeus prestam a estrangeiros. O nome do casal foi dado a um bosque que fica nas encostas que dão acesso a Jerusalém.
Guimarães Rosa retorna definitivamente ao Brasil em 1951. Continua escrevendo contos e novelas e em 1956, sua obra adquire dimensões universalistas com Grande Sertão: Veredas com seiscentas preciosas páginas de técnica e linguagem inovadoras e, sobretudo, desavergonhadamente poéticas.
Até 1967, publicou obras que causaram sempre novas efervescências no meio literário.
Apesar de ter sido eleito por unanimidade para a Academia Brasileira de Letras em 1963, adiou sua posse por quatro anos por medo de não resistir à emoção que o momento lhe causaria. Disse no discurso de posse: “... a gente morre é para provar que viveu”. Efetivamente, três dias após a cerimônia, em 19 de novembro de 1967, ele morreria subitamente, sozinho em sua casa, aos 59 anos.

“Eu ando meio febril, repleto, com um enxame de personagens a pedirem pouso em papel. É coisa dura e já me assusta antes de pôr o pé no caminho penoso que já conheço”. (Guimarães Rosa)




Fontes das imagens: http://proarte.webnode.com.br 
                                     Google

Fontes das pesquisas: http://cmais.com.br
                                        www.releituras.com
                                        www.brasilescola.com



Por Aline Andra

                                                                     

quarta-feira, 27 de março de 2013

Os rostos urbanos de Vhils





Alexandre Farto, conhecido como Vhils no mundo dos escultores, pintores e grafiteiros, nasceu em Portugal em 1987. Terminou sua formação artística em Londres em 2008. Com 13 anos, iniciou-se na pintura, colorindo muros e comboios da margem sul do rio Tejo. Artista urbano, tem explorado novos caminhos dentro da ilustração, animação e design gráfico.
Existem trabalhos seus espalhados por vários locais do mundo.
Gosto especialmente de seus retratos cinzelados em paredes. Para isso, ele utiliza uma variedade de técnicas e materiais como explosivos, brocas, água sanitária, tinta spray e stencil.
Admiro sua ousadia de, como ele mesmo explica, através de um ato de vandalismo (o ato de destruir a fim de criar) levado ao extremo, transformar o que era comum e  inóspito em uma obra de arte.





















"Eu nunca tenho e nunca quero ter o controle absoluto sobre o que estou fazendo. Eu gosto do inesperado e do incerto." (Vhils)



Fontes de pesquisa e imagens:   http://alexandrefarto.com
                                                   http://pt.wikipedia.org/wiki/Vhils 
                                                   www.dailytelegraph.com.au 




Por Aline Andra


terça-feira, 26 de março de 2013

A noite dos desesperados (They shoot horses, don't they?)





Ano: 1969 (EUA)
Diretor: Sidney Pollack
Atores: Jane Fonda, Michael Sarrazin, Susannah York, Gig Young, Red Buttons, Bonnie Bedelia, Bruce Dern


Achei  apropriado comentar sobre “A noite dos desesperados” (a tradução do título foi, como quase sempre, pouco original) do competente diretor Sidney Pollack, dando continuidade ao tema do post anterior sobre as maratonas de dança nos anos 30.
Vi o filme pela primeira vez ainda muito jovem e cheia de certezas (como todos os jovens). Achei-o muito bizarro e perturbador. Agora, já não tão jovem e com menos certezas, acho-o terrivelmente comovente e verdadeiro.
 Um retrato perfeito do turbulento e sofrido período da Grande Depressão americana, o filme - baseado no livro homônimo de Horace Mccoy, publicado em 1935 - conta-nos a história de diversos casais participando de uma maratona de dança. O argumento inteligentemente elaborado mostra com realismo como os concorrentes ao prêmio de 1500 dólares, com seus motivos e dramas pessoais, vão se desgastando em todos os sentidos à medida que continuam dançando por dias seguidos, o que também vai revelando a personalidade dos personagens.
Como cada um lida com esse ataque destrutivo sobre a resistência física e emocional – que não deixa de ser uma analogia ao ataque igualmente destrutivo dos acontecimentos políticos, econômicos e sociais que assolaram a estabilidade e os sonhos de uma geração – é o grande trunfo do filme e da história.
Jane Fonda (no seu primeiro papel dramático) brilha como Gloria Beatty, determinada, amarga e desiludida e que vai perdendo a vontade de competir e de viver num mundo intolerante e cruel. Michael Sarrazin como Robert convence interpretando o jovem apático, com uma indolência causada pela pobreza e a falta de perspectiva tão comum na época, mas que no final tem a atitude decisiva e, a meu ver, cheia de compaixão e lucidez. Gig Young mereceu o Oscar de melhor ator coadjuvante do ano como o apresentador Rocky, cínico e realista e Susannah York surpreende com sua comovente Alice que vai se desconstruindo na medida em que vai se fragilizando.
A propósito, o título original que pode ser traduzido livremente para “Eles atiram em cavalos, não atiram?” -  a frase final de Robert - é uma metáfora belamente construída e coerente com o enredo porque se refere ao sacrifício de cavalos feridos quando eles não tem cura, para que não sofram mais.
Um filme impiedoso como devem ser todas as obras que buscam instigar a reflexão.

Frase de Rocky: “Isto não é concurso, é show. As pessoas não estão nem aí para o vencedor. Querem ver um pouco de sofrimento para que se sintam melhor.”

  
  



 

Por Aline Andra

 

domingo, 24 de março de 2013

Viagem no tempo: maratonas de dança





Em 1929, começava a “Grande Depressão”, o pior período econômico da história dos Estados Unidos. O colapso financeiro da Bolsa de Valores de Nova York assinalado por uma queda brutal no mercado de ações, marcou o fim de uma era de prosperidade e preparou o cenário para a 2ª Guerra Mundial. Milhares de pessoas encontraram-se, repentinamente, sem emprego, sem moradia e meios de sobrevivência. Metade dos bancos e empresas faliram. Todos foram afetados de um jeito ou de outro.  A mendicância e os suicídios aumentaram drasticamente, reforçando o sentimento geral de desolação e desespero.
As maratonas de dança - também chamadas Walkathons - tornaram-se, então, uma das formas mais controversas de entretenimento ao vivo. Descobriu-se, há muito tempo, que a exploração da degradação e sofrimento do ser humano é um negócio rentável. Para quase todos os concorrentes, a participação em uma maratona de dança significava um teto sobre suas cabeças e comida abundante pelo tempo em que eles conseguissem permanecer na competição. Motivos mais do que suficientes. Entretanto, penso que os inescrupulosos patrocinadores do evento miravam algo muito maior – a esperança. O cobiçado prêmio em dinheiro que variava de 1000 a 5000 mil dólares, uma quantia bastante significativa para a época, representava para muitos a diferença entre a vida e a morte.
Os casais, dançarinos profissionais ou amadores, dançavam por dias ou meses até a exaustão total e desistência e esse “espetáculo” atraía multidões. O preço da entrada era de 25 centavos de dólar e a média de público era de 2500 pessoas.
Empresas pagavam aos competidores para que vestissem roupas com cartazes ou frases de propaganda pintadas.
 A primeira maratona de dança foi criada por Alma Cummings que dançou por 27 horas seguidas. A mais longa, em Atlantic City, durou de junho a novembro de 1932  com a marca de exatas 4152 horas e 30 minutos. O valor do prêmio foi de apenas  1000 dólares!
 As regras eram rigorosas e qualquer deslize implicava na desclassificação do casal. Os pés deviam estar sempre em movimento e os joelhos não podiam tocar o chão. Os concorrentes podiam descansar somente 15 minutos a cada hora.  Nesse período eram atendidos por médicos e enfermeiros e tentavam dormir. As mulheres que não acordavam ao sinal de término do descanso eram reanimadas com sais de cheiro e os homens eram mergulhados em água gelada. As refeições eram servidas em altas mesas, sete vezes ao dia e os competidores deviam continuar dançando enquanto comiam.
Uma banda tocava ao vivo durante a noite e um fonógrafo era suficiente para o dia. Comediantes profissionais e um mestre de cerimônia eram contratados para animar a plateia e para causar mais impacto, em horas imprevistas, os casais eram obrigados a participar de corridas ao longo de faixas pintadas no chão do salão, ficavam longos períodos sem assistência médica ou o tempo de descanso era cancelado.
Tamanha pressão provocava em muitos um estado de quase coma ou alucinações. Há também registros de morte.
Nas comunidades, algumas pessoas começaram a fazer campanha contra esses eventos. Igrejas e grupos de mulheres se opuseram tanto por razões morais (a posição dos casais durante a dança) quanto por razões humanitárias (a cobrança para a exposição da inferiorização de outro ser humano). A polícia concluiu que as maratonas atraíam indivíduos indesejáveis para suas cidades.
 No final dos anos 30, as maratonas foram proibidas na maioria dos estados.
Entretanto, se pararmos para pensar, essa prática continua nos dias de hoje sob inúmeros disfarces. Os reality shows e outros programas de televisão onde pessoas são ridicularizadas e/ou diminuídas em sua dignidade por dinheiro são os exemplos mais conhecidos.

As circunstâncias mudam e os motivos também. Alguns são terríveis e incontornáveis, outros são intangíveis e equivocados, mas acho que o que temos em comum, através dos tempos, é a Esperança. Bela em sua grandeza. Ela é o melhor dos motivos. Ainda que seja explorada ou depreciada, a esperança deve ser vital e incomensurável. Somente ela nos redime e justifica e no final das contas é a única que permanece.






























Fonte das imagens: Google
Fontes das pesquisas: www.imegin.com.br
                                      www.mdig.com.br
                                      http://clioaulas.blogspot.com.br
                                     
                                  


Por Aline Andra


quinta-feira, 21 de março de 2013

Viagem no tempo: fotos antigas





Uma foto, seja ela curiosa, engraçada, intrigante ou comovente, depende não somente do talento e criatividade do fotógrafo, mas também do acaso. Estar atento, no lugar certo e na hora certa, transforma um momento fugaz e único num registro eterno.
Gosto de descobrir fotos antigas. Não só para tentar analisar o contexto da época, mas também para observar as pessoas fotografadas. Seus olhares, atitudes e possíveis intenções. Para mim, é um exercício interessante imaginar o que estariam pensando, como seriam suas vidas e o motivo de estarem ali, naquele lugar e naquela hora...
Afinal não é essa a principal função da fotografia? Reviver momentos e pessoas que não deveriam ser jamais esquecidas?







































































Fontes das imagens: www.retronaut.com
                                  www.widelec.org



Por Aline Andra