Estou lendo “História das Mulheres no Brasil” (Ed.
Contexto), um livro de 680 páginas, escrito por vários historiadores e
organizado por Mary Del Priore. Interessantíssimo! Uma viagem através dos
tempos, analisando a trajetória das mulheres de todos os extratos sociais e em
diferentes espaços do Brasil colonial aos nossos dias. Dá o que pensar...
Além disso, querendo
dar continuidade ao post anterior, comecei a pesquisar sobre as pioneiras em
diversas áreas. Aquelas famosas ou nem tanto, que deram a cara à tapa (muitas
vezes, literalmente) para que pudéssemos, hoje, nos sentir tão independentes e
donas de nossas escolhas. Depois de preencher cinco páginas com nomes
conhecidos ou, para mim, desconhecidos, com suas conquistas e histórias, pensei
nas anônimas. E concluí o que deveria ter sido óbvio desde o início. Foram
tantas! Foram todas!
Entretanto, só se
pode falar em reivindicações de direitos sob qualquer aspecto a partir do século
18. Datam dessa época, as primeiras atitudes e obras eloquentes.
Em 1792, na
Inglaterra, Mary Wollstonecraft, não por acaso futura mãe de Mary
Shelley, autora de “Frankenstein”,
escreveu um dos clássicos da literatura feminista – “A reivindicação dos direitos da mulher” – onde defendia uma educação
para meninas que aproveitasse seu potencial humano.
Mary Wollstonecraft
Essa luta ganhou
impulso na virada do séc. 19, quando o primeiro momento foi motivado pelas
reivindicações dos direitos democráticos como direito ao voto, divórcio,
educação e trabalho. No contexto da Revolução Industrial, as ideologias
socialistas se consolidaram, de modo que o feminismo se fortificou como um
aliado do movimento operário, através de convenções, greves e passeatas.
No Brasil, em 1827,
surgiu a primeira lei sobre educação das mulheres, permitindo que frequentassem
as escolas elementares até então proibidas.
Nos Estados Unidos,
em 1857, no dia 8 de março, 129 operárias de uma fábrica têxtil, morreram
queimadas durante uma ação policial ao reivindicarem a redução da jornada de
trabalho de 14 para 10 horas diárias e o direito a licença maternidade. Mais
tarde, instituiu-se o Dia Internacional das Mulheres nesta data em homenagem a
elas.
A partir de 1859,
vários movimentos e associações surgiram na Rússia, Suécia, Alemanha, França e
Japão reivindicando e conquistando a igualdade de direitos de voto e estudo em
universidades até então frequentadas somente por homens.
A Princesa Isabel,
filha de Dom Pedro II, ao completar 25 anos em 1871, tornou-se a primeira
senadora do Brasil. Durante viagem do Imperador, assumiu a regência e assinou a
Lei do Ventre-Livre que estabeleceu liberdade aos filhos dos escravos. A Princesa aliou-se aos movimentos populares e aos partidários da
abolição da escravatura, mas principalmente por razões político-econômicas, em 13 de maio de 1888, assinou a Lei Áurea que dizia:
“A partir dessa data ficam libertos todos os escravos do Brasil".
Em 1879, a
brasileira Maria Augusta Generoso Estrella, com apenas 14 anos, mudou-se para os
Estados Unidos a fim de estudar no Medical
College and Hospital for Women. A banca de seleção a
recusou por não ter a idade mínima do regulamento. Em discurso inflamado, ela
convenceu os examinadores, terminou o curso e esperou até 1881, quando
completou a maioridade para poder clinicar. Maria Augusta obteve sucesso na
profissão atendendo mulheres e crianças.
Sua determinação foi fundamental para que o Imperador Dom
Pedro II aprovasse a reforma no ensino superior, permitindo o ingresso das
mulheres nas faculdades brasileiras.
Maria Augusta
Generoso Estrella
No Brasil, Chiquinha
Gonzaga, compositora e pianista (compôs mais de 2000 canções populares, entre
elas, a famosa marcha carnavalesca “Ô
Abre Alas”) e autora de 77 peças teatrais, em 1885, tornou-se a primeira
mulher a reger uma orquestra (a opereta “A
corte na roça”).
Chiquinha Gonzaga
Em Portugal, no ano
de 1891, Domitilla Hormizinda Miranda de Carvalho foi a primeira mulher a
estudar e concluir, com boas classificações, os cursos de Matemática, Filosofia
e Medicina na Universidade de Coimbra. Como condição para sua admissão, foi
obrigada por exigência do reitor, a trajar-se sempre de preto e com chapéu
discreto para não chamar a atenção.
Domitilla de Carvalho
No sec. 20, as mudanças
foram acontecendo rapidamente e as mulheres ganharam maior visibilidade por
causa das guerras, onde tiveram um papel fundamental, da mídia cada vez mais
presente, dos livros e manifestos de sua autoria, na sua maior participação na
política, nas artes e nas decisões familiares, atingindo seu ápice na década de
1960, que foi marcada por uma ampla revolução dos costumes e pela liberação
sexual. Atitudes e comprometimentos demonstraram que a hierarquia entre os
sexos não era uma fatalidade biológica, mas uma construção social.
Marie Curie, polonesa que exerceu sua atividade profissional na França, foi uma pioneira, tanto por sua coragem e determinação como por suas descobertas
científicas – descobriu dois novos elementos químicos: o rádio e o polônio e fez importantes pesquisas no campo da radioatividade – e
não só foi a primeira mulher a ganhar um prêmio Nobel, mas também a
primeira pessoa a receber duas vezes essa condecoração. Em 1903, o de Física e em 1911, o de Química.
Marie Curie
No Brasil, em 1917, Deolinda
Daltro, professora, fundadora do Partido Republicano Feminino em 1910, liderou
uma passeata exigindo a extensão do voto às mulheres.
Deolinda Daltro
Thereza de Marzo,
brasileira, foi a primeira mulher a voar sozinha e a receber o diploma de
piloto-aviador internacional em 1922. Ela também criou as “Tardes de Aviação”,
nas quais efetuava seus voos com passageiros.
Theresa de Marzo
O primeiro voto
feminino no Brasil (e na América Latina) foi em 25 de novembro de 1927 no Rio
Grande do Norte. Quinze mulheres votaram, mas seus votos foram anulados no ano seguinte.
Entretanto, a primeira prefeita da história do Brasil, Alzira Soriano de Souza,
foi eleita no município de Lages – RN.
Alzira Soriano
No Brasil, o novo Código
Eleitoral foi promulgado pelo presidente Getúlio Vargas em 1932 e
garantiu o direito de voto às mulheres casadas (com autorização do marido),
viúvas ou solteiras com renda própria.
Também em 1932, a
nadadora brasileira Maria Lenk, então com 17 anos, foi a primeira mulher a
participar da delegação olímpica que viajou para Los Angeles.
Maria Lenk
De 1937 a 1945, no
Brasil, o Estado Novo criou o Decreto 3199 que proibia às mulheres a prática de
esportes considerados incompatíveis com a condição feminina, tais como: “luta
de qualquer natureza, futebol de salão, futebol de praia, polo, polo aquático,
halterofilismo e beisebol”.
Em 1945, a Carta das
Nações Unidas, um documento internacional, reconheceu a igualdade de direitos
entre homens e mulheres.
Fanny Blankers Koen,
da Holanda, mãe de duas crianças, superou todos os homens nas Olimpíadas, ao
conquistar quatro medalhas de ouro no atletismo em 1948.
Fanny Blankers Koen
Em 1949, a francesa
Simone de Beauvoir publicou o livro “O
segundo sexo”, no qual analisava a condição feminina.
Simone de Beauvoir
A Organização Internacional
do Trabalho aprovou, em 1951, a igualdade de remuneração entre trabalho
masculino e feminino para funções iguais.
Maria Esther Bueno,
tenista brasileira, tornou-se a primeira mulher a vencer os quatro torneios do
Grand Slam (Australian Open, Wimbledon, Roland Garros e US Open) em 1960.
Conquistou, no total, 589 títulos em sua carreira.
Maria Esther Bueno
Em 1974, na
Argentina, Isabel Perón tornou-se a primeira mulher a ocupar a presidência do
país.
Isabel Perón
Em 1979, a equipe
brasileira feminina de judô inscreveu-se com nomes de homens no campeonato sul
americano da Argentina. Este fato teve como consequência a revogação do Decreto
3199.
Surgiu o lema “Quem
ama, não mata” e a criação de centros de autodefesa para coibir a violência
contra a mulher em 1980 no Brasil.
Em 1983, nos Estados
Unidos, Sally Ride tornou-se a primeira mulher astronauta ao voar na nave
espacial Challenger.
Sally Ride
Em 1985, foi
implantada no Brasil, a primeira Delegacia de Atendimento Especializado à
Mulher – DEAM (SP) – e, em seguida, muitas outras em diversos estados.
Foi também aprovado
pela Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei que criou o Conselho Nacional dos
Direitos da Mulher.
Nélida Piñon foi a
primeira mulher a ser eleita para ocupar
a presidência da Academia Brasileira de Letras em 1996.
Nélida Piñon
Entrando no séc. 21,
em 2001, a alemã Jutta Kleinschmidt foi a primeira mulher a vencer o Rali
Paris-Dakar, na categoria carros. Considerada a prova esportiva mais difícil do
planeta (atravessar o deserto), Kleinschmidt provou a determinação feminina
presente em todas as atividades do mundo atual.
Jutta Kleinschmidt
Claro que estou me
referindo a uma parte do mundo onde já se conseguia definir um padrão de
vivência moldado na independência pessoal. A incompreensão ou impossibilidade
de reação ainda é imensa em muitos lugares e classes sociais por diversos e
discutíveis motivos. Mas, sim, podemos
bater no peito, agora confortáveis dentro de sutiãs anatômicos depois de
superarmos a fase irreverente da queima dos ditos e afirmarmos com orgulho que
as mudanças foram avassaladoras. A luta de todas as mulheres corajosas do passado deixou-nos um
legado irrefutável: a Liberdade ou, pelo menos, o direito de exigi-la para a maioria. Será?
Por que, então,
tenho a impressão de que algo foi perdido ou desperdiçado nesse processo?
De que alguma coisa,
nas entrelinhas dessa história, não foi percebida ou não está
sendo conscientemente admitida?
Por que sinto que
mulheres (e homens) não estão mais felizes, apenas mais sobrecarregados e
reféns de um mundo cada vez mais confuso, intolerante e injusto?
Por que, mulheres
bem resolvidas e bem sucedidas criaram filhos, descendentes dessas conquistadoras,
que estão por aí, impermeáveis e sem ideais?
Por que os saudáveis
valores humanos na sua essência (independente do sexo) foram relegados ao
segundo plano em prol da busca por gratificações tão superficiais, exigentes,
materialistas e equivocadas?
Por que as mulheres,
diante de tantos fatos e exemplos grandiosos, ainda confundem liberdade com
vulgaridade? E não vale culpar a mídia. Já provamos nossa inteligência.
Por que depois de
séculos em que mulheres determinadas, com suas belas histórias, escolheram e
conseguiram, usando as mesmas armas dos homens (talvez tenha sido esse o erro) imporem-se decisivamente
nessa guerra de sexos, nós não conseguimos construir um mundo melhor?
Ou conseguimos?